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AGU versus TCU e STJ - DIREITO DOS SERVIDORES À INCORPORAÇÃO DE QUINTOS


O recente Parecer da Advocacia-Geral da União, nº AG-1/2011, de 14.02.2011, conclui: a “Decisão do Tribunal de Contas da União que, em reexame de decisão proferida em representação, determina a incorporação dos quintos (art. 62, redação original, Lei nº 8.112, de 1990, combinado com o art. 3º da Lei nº 8.911, de 1994) até o ano de 2001, entendimento contrário ao da Administração, para a qual a incorporação se faz até 1997, tem natureza constitutiva e não suscita cumprimento, segundo decisão do relator no Mandado de Segurança nº 25763, pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal. Impropriedade de se desistir do remédio, única opção processual factível para se tentar reverter jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, contrária à tese da União. Expressivo impacto orçamentário justificativo da impetração do mandamus, bem como de seu monitoramento, especialmente com confecção e juntada de memoriais”.


A decisão do TCU, acima referida, é a proferida no Acórdão 2.248/2005 – Plenários, que analisou os Pedidos de Reexame interpostos contra os Acórdãos 731/2003 e 732/2003 - Plenário, objetivando a alteração dos referidos acórdãos para o fim de ensejar a incorporação de quintos no período entre 09/04/1998 e 04/09/2001.

Naquela oportunidade, foram trazidos aos autos precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho da Justiça Federal, do Ministério Público Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, os quais foram caracterizados como fatos novos, ensejadores da reapreciação da matéria, como , v.g.: deferimento pelo Superior Tribunal da Justiça, por meio do Processo STJ 2.389/2004, da incorporação de quintos aos seus servidores, com marco temporal final em 2001, na forma da Medida Provisória 2.225-45/2001; pelo Senado Federal, em 29/10/2002; pelo Tribunal Superior do Trabalho, em 05/07/2002;  pelo Presidente do Conselho da Justiça Federal, à luz do entendimento do STJ, aos servidores do próprio Conselho e da Justiça Federal de 1º e 2º graus, também até 2001; acolhimento do entendimento do STJ pelo Ministério Público da União, em 21/12/2004; reafirmação, pelo Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles, do direito dos servidores públicos no tocante à incorporação das parcelas de quintos, em razão do exercício de função comissionada, no período de 08/04/1998 e 04/09/2001, seguindo o mesmo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Afinal, o Acórdão TCU 2.248/2005 firmou “o entendimento de que é devida a incorporação de parcelas de quintos, com fundamento no artigo 3º da MP 2.225-45/2001, observando-se os critérios contidos na redação original dos artigos 3º e 10 da Lei 8.911/94, no período compreendido entre 09/04/98 e 04/09/2001, data da edição da referida medida provisória, sendo a partir de então todas as parcelas incorporadas, inclusive a prevista no artigo 3º da Lei 9.624/98, transformadas em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada - VPNI, admitindo-se, ainda, o cômputo do tempo residual porventura existente em 10/11/1997, desde que não empregado em qualquer incorporação, para concessão da primeira ou de mais uma parcela de quintos na data específica em que for completado o interstício de doze meses, ficando, também, essa derradeira incorporação transformada em VPNI, nos termos do subitem 8.1.2 da Decisão 925/1999 – Plenário”.

De fato, é entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça que os servidores possuem direito à incorporação de quintos e décimos no período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/98 e a da Medida Provisória nº 2.225-45/2001, ou seja, entre 8.4.1998 e 4.9.2001 (AgRg no REsp 756.389/DF, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 3.8.2009; STJ, REsp 1.036.165/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 3.8.2009; STJ, MS 13.538/DF, 3º Seção, DJe 11.11.2008; STJ, AgRg no REsp 799.887/RS, Rel. Min. Jane Silva , DJe 1º.9.2008; MS 11.302/DF, Rel. Ministra Jane Silva, julgado em 13/08/2008, DJe 20/08/2008 REsp 861.286/PB, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 05/06/2008, DJe 01/09/2008; RMS 22.970/DF, Rel. Ministro Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 29/11/2007, DJ 07/02/2008; AgRg no REsp 1021936/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 21/05/2009, DJe 29/06/2009 ).

Mais recentemente, o Acórdão TCU 240/2010 – Plenário - voltou a abordar a matéria, uma vez que o auditor federal de controle externo, Wagner César Vieira, e outros interessados representaram ao TCU para apontar possíveis ilegalidades e eventuais danos ao erário em decorrência da incorporação e do pagamento, por órgãos dos poderes Legislativo e Judiciário e pelo Ministério Público Federal, de "quintos referentes ao período de 9/4/1998 a 4/9/2001.

Após a Secretaria de Fiscalização de Pessoal - Sefip/TCU - haver examinado a matéria e concluído, em pareceres uniformes, pela improcedência da representação, a Consultoria Jurídica do TCU manifestou-se nos autos, da seguinte forma:

"Na Representação, os representes alegam que os pagamentos feitos com base nos atos acima estão sendo realizados a despeito da decisão liminar proferida pelo Ministro Joaquim Barbosa do STF nos autos do MS 25.845 determinando a cessão de tais pagamentos aos servidores do Tribunal de Contas da União. Demais, alegam que, em razão do "ressoerguimento" do MS 25.763, o reconhecimento das citadas parcelas poderá ser considerado indevido. Também tecem considerações acerca dos efeitos deletérios ao orçamento caso seja concedida a incorporação dessas parcelas, bem como discorrem acerca da violação ao princípio da boa-fé objetiva. Defendem ainda que teria cessado a boa-fé objetiva na percepção da parcela pelos servidores dos Poderes Judiciário e Legislativo e do MP quando da decisão liminar do STF, além de se referirem à Súmula 249 do TCU. Findam expondo sobre efeitos da boa-fé; defendem a necessidade de suspensão do pagamento da parcela em comento "até a superação dos motivos determinantes da suspensão dos pagamentos por parte do STF." Também advogam o sobrestamento dos processos de aposentadoria que tramitam perante o TCU e que contemplam as parcelas em questão. Em razão disso, pedem seja adotada medida cautelar para a suspensão do pagamento das mencionadas parcelas; seja emitida orientação aos órgãos acima mencionados acerca da data em que teria cessada a boa-fé dos servidores beneficiados; sejam sobrestadas as apreciações dos atos de concessão de aposentadoria que contemplem a verba salarial aqui referida, entre outros. ... Assim, observa-se que a decisão do STF não ataca o entendimento do TCU exarado no âmbito do Acórdão nº 2.248/2005-Plenário, que continua em plena vigência. Apenas determina a este Tribunal a não concessão de novas incorporações de quintos/décimos aos seus servidores, referentes ao período compreendido entre 09.04.98 e 04.09.2001. Ou seja, a liminar concedida pelo STF não ataca os termos constantes do Acórdão nº 2.248/2005-Plenário, apenas a decisão administrativa do TCU que estendeu a aplicação do referido Acórdão aos seus servidores. Portanto, o Acórdão nº 2.248/2005-Plenário continua no mundo jurídico e em plena vigência, entretanto, é objeto de mandados de segurança.Em face disso, entende-se que cabe a este Tribunal (TCU) observar a decisão proferida no Mandado de Segurança nº 25.845, como de fato tem observado, e aguardar o pronunciamento definitivo do STF em ambos os mandados de segurança citados no item 5 acima, pois, conforme noticiado pelos Representantes, apesar de terem sido distribuídos a diferentes Ministros-Relatores, "serão examinados concomitantemente". ... Em que pese a pertinência das alegações contidas nos autos, conclui-se que a presente Representação não deve prosseguir, tendo em vista que a matéria discutida no processo - aplicação do Acórdão nº 2.248/2005-Plenário, é objeto de mandados de segurança em análise no Supremo Tribunal Federal. O titular da Sefip manifestou anuência à proposta de conhecimento e improcedência da Representação. Entretanto, em que pese defender a improcedência, de plano, da Representação, adicionalmente, discorreu acerca da desnecessidade de concessão da cautelar: "O julgamento de forma diversa pelo STF (contrário ao entendimento vigente no âmbito do TCU) no MS 25.845, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, não configurará qualquer prejuízo ao Erário, visto que os pagamentos de quintos aos servidores do TCU, objeto daquele MS, já estão suspensos em sede de liminar. Quanto ao MS 25.763, de relatoria do Ministro Eros Grau, que questiona o próprio Acórdão TCU nº 2.248/2005-Plenário, caso o entendimento do STF seja diverso ao até então adotado por esta Egrégia Corte de Contas, caberá ao próprio TCU passar a adotar novo entendimento alinhado com aquela Corte, dentro de um processo natural e dialético próprio da ciência jurídica. Desconstituindo o referido acórdão do TCU, os órgãos e entidades que concederam a incorporação de quintos nele fundado deverão promover o ressarcimento das quantias pagas. Assim, também entendo desnecessário o acolhimento da medida cautelar disposta no item b dos pedidos do representante."”

Como visto acima, no Supremo Tribunal Federal o mérito dessa matéria ainda não foi apreciada, estando sendo discutida nos MS 25.763, da relatoria do Min. Eros Grau, e MS 25.845, da relatoria do Min. Joaquim Barbosa. No MS 25.845, o Relator concedeu liminar determinando a não concessão, aos servidores do TCU - tão só - de novas incorporações de quintos/décimos referentes ao período que se estende de 09/04/1998 a 04/09/2001.

O Relator do Acórdão TCU 240/2010 – Plenário – ( Min. Aroldo Cedraz) asseriu que nada havia que justificasse, naquele momento, a atuação da Corte de Contas com respeito ao assunto, eis que: “a decisão liminar proferida pelo STF foi monocrática, tem caráter precário e, por tais motivos, não caracteriza posicionamento definitivo daquela Corte Suprema a respeito do assunto, o que torna temerária a adoção dos procedimentos de controle demandados pelos autores; a aludida decisão liminar foi proferida em ação movida especificamente contra o ato administrativo do TCU que beneficiou seus servidores e expressamente limitou seus efeitos às partes, o que reitera a inadequação de sua extensão ao restante da administração pública, consoante pretendem os autores; não houve, até o presente instante, qualquer manifestação do STF na ação movida contra o acórdão deste Tribunal (TCU) que, no exercício de sua competência constitucional de controle externo, admitiu a possibilidade das incorporações em questão, o que significa que aquela deliberação do TCU, de caráter genérico, permanece vigente e válida para toda a administração pública”. Os Ministros do TCU decidiram, diante das razões expostas pelo Relator, conhecer da representação e considerá-la improcedente.

Mas a Advocacia-Geral da União - AGU - continua empedernida, insistindo na sua tese, segundo a qual os servidores só fazem jus à incorporação até o ano 1997, sempre permeando a defesa deste entendimento no forte impacto orçamentário-financeiro que teria a extensão do reconhecimento do direito à incorporação de quintos até o ano de 2001 para todos os servidores, e, por correlato a este falacioso argumento, trago à colação fragmento extraído do multicitado Acórdão TCU 2.248/2005, que nos lembra que “como critério de realização da justiça, não deve o julgador, na árdua função de decidir, cercear o direito pretendido sob o argumento de que tal julgado terá importância patrimonial ou financeira. Como bem ponderou o Ministro Celso de Mello, em julgamento no Pretório Excelso, "as Razões de Estado (leia-se aqui: impacto nos cofres públicos) - que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas que frustam a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade - não se legitimam como argumento idôneo de sustentação da pretensão jurídica do Poder Público." (in RE 269579 AGR/RS) Não fosse assim, o Poder Judiciário não teria entendido pela correção monetária nos saldos das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que redundou em bilionário impacto nas despesas do referido Fundo.”

Autor: Marcelo Neves (Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região - TRT/RJ . Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Engenheiro de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-graduado em Administração Pública pela FGV).